Todos nós sabemos que o país está em crise. São muitos os sectores de actividade económica que estão a sofrer. Neste artigo vamos abordar o assunto do sector automóvel, mais precisamente o segmento dos carros usados.
Sabemos que o sector de automóveis usados não está a viver bons tempos, que segundo a imprensa, se deve à crise instalada.
Será mesmo isso?
Não. Em tempos de crise, os consumidores “vão ao mais barato”. Mas no que toca aos carros, está acontecer o oposto. Ou seja, os consumidores estão a comprar carros mais caros!
Vejamos os seguintes factores que causam isto:
1) Incentivo ao abate de viaturas para compra de carros novos;
2) Incentivo ao abate de viaturas para a compra de carros semi-novos;
3) Vendedores de rua;
4) Financeiras;
5) Gestoras de Frotas;
6) Rent-a-Car;
7) Governo.
Vamos esmiuça-los em maior detalhe:
1) Incentivo ao abate de viaturas para compra de carros novos
O actual governo, que será o próximo se o povo português não acordar, vai continuar a promover o apoio de abate de carros com idade igual ou superior a OITO anos.
Este apoio está a levar os consumidores de carros usados com três ou mais anos a comprar carros novos. Neste capitulo, os stands de carros usados estão a perder todos os dias centenas de clientes. Não queremos dizer que os consumidores não devem comprar carros novos, só estamos a dizer que também deveria haver apoios para os stands de carros usados.
Do ponto de vista ambiental, esta medida até é interessante; contudo não deixa de ter repercussões económicas e sociais negativas a curto e médio prazo.
Porquê?
Porque, perante a oferta discrepante dos valores de retoma para o seu carro usado, o consumidor compra um carro novo, cujo custo é em média 4000€ superior ao de um carro usado. Cerca de 90% dos consumidores adquirem carros novos recorrendo ao crédito automóvel, onde a taxa de esforço é bem mais elevada, o custo da prestação fica mais dispendioso do que no carro usado. Mesmo com taxas de juro mais baixas, a prestação mensal fica assim mais elevada, pois o capital a suportar é mais elevado.
Há casos em que isso não acontece, mas os custos externos associados ao negócio, fazem aumentar os valores a considerar no negócio global. Assim, consideramos que à data da compra para o ano seguinte, o consumidor terá de pagar no mês de aquisição as seguintes rubricas: (1) o valor da prestação; (2) o seguro contra todos os riscos (obrigatório), (3) o Imposto Único de Circulação (UIC) que teve um aumento significativo, por exemplo: para um motor 1.500 cc diesel passou dos 16€ anuais para os 125€. Muito importante é a questão da garantia, aos olhos da lei esta só terá validade se o consumidor fizer a manutenção na marca o que leva um incremento de custo de manutenção na ordem dos 25%. Caso não faça as revisões na marca, perde a garantia.
Portanto, embora o carro seja novo, fica mais caro para o orçamento familiar do consumidor. Não se dá por nada, mas lá está o governo a fomentar o crédito ao consumo, endividando mais as famílias. Poder-se-á perguntar: Quando se compra um carro usado, os consumidores também não estão a contrair crédito? Claro que sim, mas dentro das suas possibilidades. Não têm de fazer um esforço redobrado para adquirirem um carro novo, só porque têm o apoio do governo para aquisição de carros novos ou semi-novos. A sensação que dá é que tem de se fazer tudo para se vender carros novos e encaixar mais uns milhares de euros em ISV.
2) Incentivo ao abate de viaturas para a compra de carros semi-novos
O incentivo ao abate de viaturas usadas foi criado para renovar o parque automóvel e por sua vez diminuir as emissões de CO2, por estas viaturas já estarem equipadas com novos filtros de partículas. A lei diz que este incentivo é só para a compra de carros novos e não semi-novos (ou seja, usados!).
O consentimento dado pelo governo aos importadores oficiais, para aplicarem este apoio para aquisição de viaturas semi-novas, dizemos consentimento, pois trata-se de uma acção ilegal. Assim esta deveria ser fiscalizada, mas não o é, não dá jeito.
Mesmo que esta acção seja suportada pelo importador, ela é ilegal. A lei diz que este apoio é só para a compra de carros novos e não semi-novos (usados). Em termos de publicidade/comunicação é ilegal. É evidente que este negócio interessa sobretudo a duas partes, os importadores e o governo, o primeiro vende e o segundo encaixa os impostos que todos nós pagamos.
3) Vendedores de rua
Os vendedores de rua estão como querem. Não sofrem qualquer tipo de penalização, usam e abusam dos lugares públicos para colocarem os carros à venda, fugindo das contribuições fiscais, das responsabilidades com a garantia, promovendo a venda ilegal de viaturas. Não oferecem segurança rigorosamente nenhuma. Não oferecem qualidade no produto que vendem, como por exemplo a preparação do carro usado e a garantia que deveriam ser factores obrigatórios para todos os que praticam a venda do carros. Temos milhares destes vendedores pelo país fora. Por apenso, são milhares os carros que os stands deixam de vender e são milhares os consumidores que se sentem enganados e prejudicados.
4) Financeiras
As financeiras que durante alguns anos promoveram e aceitaram negócios irresponsáveis, contribuíram para a crise que se vive no segmento dos automóveis usados. No tempo das “vacas gordas”, aprovavam qualquer tipo de negócio, aceitavam clientes de risco elevado, valores de “Eurotax” completamente desajustados. Contratos de crédito claramente desfavoráveis para os consumidores. Contudo promoveram esses negócios quer para os carros usados quer carros novos.
Depois desta crise mundial, tudo serve para não aprovar os negócios, principalmente quando propostos pelos stands de carros usados. Mas, ao invés, todos os financiamentos vindos dos importadores oficiais normalmente são aprovados. Parece-nos que estão novamente a promover o endividamento descontrolado. Não será mais fácil, um consumidor pagar um crédito com uma renda acessível e adequada, do que uma renda pesada e difícil de assumir continuamente? Por fim, temos a velha questão do “Eurotax”, não querendo desprestigiar a reconhecida marca, parece-nos que os actuais valores de avaliação de carro usado, estão um pouco desajustados à realidade actual do mercado.
5) Gestoras de Frotas
As gestoras de frotas, que se encontram actualmente lotadas de carros, uns carregados de km outros nem por isso, têm a necessidade urgente de os colocar no mercado. Actualmente estão a dividir a colocação desses carros no mercado entre, as leiloeiras profissionais e através de canal próprio. No principio, escoavam o produto através das leiloeiras profissionais, as quais só permitiam o acesso a profissionais do sector. Agora também o fazem através de canal próprio, vendendo os carros a clientes finais. Esta última acção está a retirar clientes aos stands de carros usados. Fazem-no sob a premissa de carros mais baratos, só que depois falta o exigido apoio pós-venda, que os consumidores estão habituados a ter em caso de problemas. Estas empresas representam em volume de carros colocados no mercado, em cerca de 3 mil unidades ano. A questão que se coloca é: A actividade económica deste tipo de empresas é o aluguer operacional ou é a venda de carros usados?
6) Rent-a-Car
Os Rent-a-Car são empresas que se dedicam ao aluguer de viaturas. Contudo também promovem a venda de carros usados. São mais uns milhares de carros usados que os stands deixam de vender. Só que neste caso, o assunto é mais grave, pois fazem-no sem qualquer tipo de garantia. Há uns anos atrás, os rent-a-car foram alvo análise por parte dos importadores oficiais e gestoras de frota, que não conseguiam impor o seu negócio face ao poder de negociação que os rent-a-car tinham. No entanto e depois de uma enorme redução dos descontos que as marcas ofereciam aos rent-a-car, conseguiram retirar capacidade negocial e afastaram-nos do mercado empresarial. Mas não se consegue impedir que o rent-a-car venda carros usados a consumidores finais. Não há legislação que o impeça.
7) Governo
Quanto ao Governo, são muitas as queixas, começando desde logo pela a ausência total de apoio aos stands de carros usados. As medidas já abordadas nos pontos anteriores, falta de regulamentação, principalmente falta de fiscalização, são factores que também contribuem para o insucesso do sector.
Muito grave é a perseguição que as autoridades fazem aos Stands de carros usados, fiscalizando todas as áreas inerentes à actividade, criando regulamentação, novas normas. Enquanto vão fiscalizando umas PME’s vão deixando os vendedores de rua sem qualquer punição, pois é bem mais fácil notificar e fiscalizar um stand do um vendedor de rua. É também mais fácil incomodar uma PME, do que de um grande grupo económico, até nem dá jeito nenhum.
A ilegalidade permitida por parte do governo a que nos referimos no ponto 2, leva-nos a colocar a seguinte questão: A criação do incentivo ao abate de carros, teve ou não como objectivo, renovar o parque automóvel e para diminuir o índice de poluição do ambiente? Se sim, porque razão não apoiam os stands de carros usados que vendem esses mesmos carros semi-novos? Provavelmente, porque estes não pagam ISV.
Como se não bastassem todos os factores abordados e que têm condicionado muito a actividade económica dos profissionais de carros usados, vêm agora as nossas “queridas” finanças colocar à venda cerca de 70 mil carros usados. Carros esses, vindos das penhoras que as mesmas executaram aos não contribuintes. Dizem que esta medida é para equilibrar as contas da Fazenda Pública, pois obtiveram quebras de receita na ordem dos 20%. Talvez se controlassem mais a economia paralela, também conhecida por economia subterrânea, pudessem encontrar um pouco mais de receita fiscal.
Mais uma vez, a comunicação manhosa e habilidosa por parte das finanças, que vieram dizer que esta medida não iria prejudicar os stands de carros usados, antes pelo contrário, alguns stands seleccionados previamente pelas finanças, iriam ter acesso a carros de valor igual ou inferior a 4000€, sendo que os carros de valor superior seriam para o cidadão normal e por proposta em carta fechada.
Não sabemos se reparam bem no número de carros: são 70 mil! Ora, o mercado global para o segmento de carros usados actualmente vale em volume 250 mil unidades. Se lhes retirarmos estes 70 mil, e os carros que se encontram à venda de forma ilegal nas ruas, e os carros que os importadores vendem como semi-novos aplicando o incentivo para abate e os carros novos que gozam do mesmo incentivo, e os carros vindos das gestoras de frota e rent-a-car… torna-se muito complicado vender carros usados. O mercado que se liberta depois de todas estas deduções, irá resultar no encerramento de muitos milhares de stands que por sua vez vão gerar milhares de desempregados ao nível do emprego directo e indirecto. Ainda existem questões que se prendem com as responsabilidades relacionadas com as vendas desses carros usados, é o caso da garantia. Niguém está a ver os consumidores solicitarem à fazenda pública a garantia sobre as viaturas que compraram.
Outro factor que irá levar ao encerramento da maioria dos stands é a aplicação do incentivo ao abate de viaturas, principalmente quando aplicada aos carros que têm idade igual ou superior a oito anos. Esses carros vão desaparecer do circuito comercial. Este factor já se faz sentir, pois são muitos os comerciantes que procuram estes carros usados, para a sua posterior venda e não os encontram disponíveis, foram abatidos. Os consumidores que os procuram não os encontram, logo terão de comprar carros semi-novos ou mesmo novos. Este factor iria obrigar a um exercício de adaptabilidade, face ao posicionamento no mercado por parte dos stands de carros usados, isto é, abandonar os carros usados com oito ou mais anos e vender carros semi-novos. Mas seria um risco enorme, pois os importadores oficiais já dominam completamente este segmento de mercado, impossibilitando a entrada dos demais stands. Como podem perceber, este factor estará a curto e médio prazo a condicionar a permanência destes stands no mercado de carros usados, ficando só os importadores oficiais. Quanto aos consumidores, terão de adquirir carros de gama e qualidade inferior para puderem cumprir com as suas responsabilidades, ou endividar-se até ao incumprimento das suas obrigações.
Sabemos que os importadores oficiais representam muitos postos de trabalho directo e indirecto, muitos impostos para o estado, principalmente o imposto que vem da venda dos carros novos. Principalmente esse, pois na tabela de impostos referente às receitas do governo, o ISV (Imposto sobre veículos) ocupa o primeiro lugar, daí o interesse do governo em ajudar este sector e segmento de actividade.
Também sabemos que no inicio de 2008, eram 14 mil os stands de carros usados, actualmente só existem cerca de 10 mil, mas a continuar assim vão ser muitos menos, com as vendas estagnadas e zero de apoios ou incentivos ao consumo de carros usados o encerramento desses stands é evidente.
Considerando um empregado por stand, seriam 10 mil empregados, ou seja, 10 mil postos de trabalho directo sem contar com outros distribuídos pelos postos de trabalho indirecto, como oficinas de mecânica, electricidade, pintura, carroçaria, electrónica, pneus, acessórios, peças. É vasta a micro-economia que gira em torno deste segmento. Todos estes postos de trabalho ficam então em perigo.
Sabemos que existem Stands que nem deveriam existir, mas sabemos também que existem muitos outros que são tão ou mais profissionais que os importadores oficiais e que não obtêm do governo qualquer ajuda ou incentivo.
É importante referir que a culpa disto tudo não é dos importadores oficiais, financeiras e os demais. A culpa é unicamente do governo, pois não regula, não fiscaliza, nem pune.
Achamos que chegou a hora de se fazer alguma coisa para defender este sector, principalmente regular o sector. Gostávamos de conhecer as vossas opiniões e sugestões.